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domingo, 15 de janeiro de 2012

Renovando a esperança em uma vacina contra o HIV

Belíssima representação da partícula viral do HIV feita em vidro pelo artista Luke Jerram.
Eu quero uma (a escultura, não o vírus, cruzes!).

No post passado eu comentei que havia saído um artigo que renovou as esperanças sobre uma vacina contra o HIV, pois então...

Cientistas americanos publicaram dia 4 desse mês na revista Nature, resultados de uma nova vacina experimental feita em macacos. A vacina foi desenvolvida contra o vírus da imunodeficiência símia (SIV), um primo do HIV que infecta primatas. A vacina desenvolvida demonstrou alta eficiência de proteção, acima de 80%, o que renovou a confiança dos cientistas de encontrar os elementos certos para uma vacina eficiente contra o HIV.

O estudo foi feito em macacos rhesus, utilizando-se uma vacina de DNA vetorizado (leia aqui pra entender o que é) com sequências de duas proteínas do SIV chamadas GagPol e Env. Os autores testaram diversas combinações de vetores (Ad35, Ad26, MVA e até DNA não vetorizado) sempre no mesmo regime de duas doses, conhecido como prime-boost, onde a primeira dose é a dose de estímulo e a segunda é um reforço. Eles vacinaram macacos rhesus e depois de seis meses verificaram se a vacina havia induzido proteção através de um desafio com SIV, ou seja, eles propositalmente injetaram vírus intraretalmente nos macacos (não deve ser muito agradável, nem pros macacos nem pra quem está fazendo as inoculações, mas é uma via mais próxima da via natural de infecção). Eles realizaram diversos desafios (até 6, pobres macacos) e após cada um deles, verificaram quantos animais foram ou não foram infectados. Assim, comparando os animais vacinados com os controles não-vacinados, eles chegaram ao percentual de >80% de proteção, em três das combinações prime-boost testadas: DNA/MVA, Ad26/MVA e MVA/Ad26.

ResearchBlogging.org
Figura retirada do artigo. O eixo y mostra a porcentagem de animais não-infectados e o eixo x o número de desafios.  Note que com apenas um desafio a maioria dos macacos controle (Sham) se tornam infectados, enquanto que aqueles vacinados com a combinação DNA/MVA, Ad26/MVA e MVA/Ad26 precisam de muito mais desafios para serem infectados (alguns continuam não-infectados mesmo ao final dos seis desafios).
Um ponto importante a salientar é que as sequências de SIV usadas na vacina eram provenientes de um uma variante de SIV chamada de SIVsm, mas o desafio foi realizado com outra variante, mais virulenta, denominada SIVmac, e mesmo assim a vacina foi protetora. Isso é importante, pois o HIV é muito variável, e é certo que as sequências contidas numa possível vacina serão de um vírus distinto daquele que um indivíduo vacinado irá “topar” durante sua vida.

Apesar de serem ótimas notícias, ainda precisamos ter cautela. Muitas vacinas que tiveram sucesso em primatas falharam quando testadas em humanos. Além disso, há estudos demonstrando que talvez anticorpos contra o Ad26 e Ad35 não sejam tão raros assim na espécie humana. Mesmo tendo alta eficiência de proteção, após os seis desafios, a maioria dos macacos adquiriu a infecção. Mas temos mais motivos para ter esperança. Os macacos que foram vacinados e que ficaram infectados após os desafios apresentavam uma replicação viral menor, quando comparado com o controle não vacinado, indicando que a infecção viral estava de alguma forma sendo controlada pelo sistema imune. Havia vírus infectando o macaco, mas o número de partículas virais era até 100 vezes menor do que em um macaco não vacinado. E outros sinais apontavam para um controle imune eficiente da infecção, como maiores níveis de anticorpos neutralizantes e maior número de células T (células do sistema imune) específicas contra o vírus.

Além de elucidar os parâmetros de um regime eficiente de vacinação, esse estudo também dá mais pistas sobre quais são as sequências do vírus que devem entrar na vacina. O HIV (e o SIV também) possui 15 proteínas distintas, e apesar de muita especulação sobre quais seriam as proteínas mais importantes para incluir numa vacina, nenhum estudo até o momento havia encontrado uma combinação que trouxesse uma eficiência de proteção tão alta. No caso, o estudo conclui que uma proteína essencial para haver proteção é a proteína Env, de envelope, que como o nome sugere, é uma proteína que se encontra na parte externa da partícula viral (seriam as bolinhas agrupadas em três na escultura que abre o post). A inclusão da sequência de Env na vacina testada aumentou de 29% para 80% a eficiência de proteção. Essa informação pode ser valiosa no desenvolvimento de futuras vacinas.

Como vocês podem notar, não é à toa que os cientistas ficaram animados com esses resultados. Termino o post com o parágrafo final do artigo, que resume muito bem (melhor do que eu poderia resumir) a sua importância:

Em resumo, nossos dados demonstram a prova de conceito de que a vacinação pode proteger contra a aquisição de SIV nos desafios feitos em macacos rhesus. (…) Esses achados, junto com as observações de requerimento critico de Env e os diversos correlatos de proteção imunológica contra a aquisição da infecção e seu controle, pavimentam novos caminhos na direção do desenvolvimento de uma vacina contra o HIV.


Barouch, D., Liu, J., Li, H., Maxfield, L., Abbink, P., Lynch, D., Iampietro, M., SanMiguel, A., Seaman, M., Ferrari, G., Forthal, D., Ourmanov, I., Hirsch, V., Carville, A., Mansfield, K., Stablein, D., Pau, M., Schuitemaker, H., Sadoff, J., Billings, E., Rao, M., Robb, M., Kim, J., Marovich, M., Goudsmit, J., & Michael, N. (2012). Vaccine protection against acquisition of neutralization-resistant SIV challenges in rhesus monkeys Nature DOI: 10.1038/nature10766

Por Luiza Montenegro Mendonça, muito orgulhosa pelo seu primeiro post com o selo do Research Blogging!


Luke Jerram é um artista que cria esculturas inspiradas em patógenos, no seu site há fotos de diversas outras esculturas (outras de HIV inclusive), que realmente valem a penas ser vistas. A ilustração desse post foi retirada de lá.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Porque (ainda) não existe vacina contra o HIV?


Infelizmente, até o momento, todos os esforços de se desenvolver uma vacina contra o HIV, foram um fracasso, tanto por não apresentarem nenhuma proteção ou por gerarem uma eficiência de proteção insuficiente (próxima a 30%).

A dificuldade em se desenvolver uma vacina contra o HIV deriva de diversos fatores. O vírus sofre mutações muito rapidamente. Isso faz com que o vírus seja muito variável e dificulta o fato de se encontrar uma vacina que ofereça proteção contra todos os vírus circulantes. Além disso, o HIV é um retrovírus, o que significa que ele insere seu genoma viral no genoma da célula. Uma vez lá, a célula não tem como discernir entre DNA viral e DNA próprio. Sendo assim, são estabelecidos reservatórios virais, células onde o vírus se esconde, e onde a vacina não pode atuar. Para finalizar, ainda não há um consenso sobre quais são as variáveis imunológicas desejáveis para uma vacina. Lembre-se que o HIV infecta células do sistema imune, as mesmas células que uma vacina estimula a fim de se criar um estado de proteção que impedirá futuras infecções. Sendo assim, ao estimular essas células, a vacina pode aumentar o número de células alvo do HIV e facilitar uma infecção, ao invés do contrário esperado. Por conta disso, uma boa vacina deve estimular tanto as células de defesa quanto induzir a produção de anticorpos, e esses anticorpos podem inclusive se ligar ao vírus e impedir que ele entre nas células, impedindo a formação dos reservatórios virais. Esses anticorpos são denominados anticorpos neutralizantes, pois conseguem neutralizar a infecção ao impedir a entrada do vírus na célula.

Devido à gravidade da doença causada pelo HIV, as estratégias comuns de desenvolvimento de vacinas, como o uso de vírus inteiro inativado ou atenuado são evitadas por questões de biossegurança. Não é difícil entender, já que, na possibilidade de uma inativação incompleta ou de uma reversão de fenótipo (se o vírus deixar de ser atenuado e se tornar patogênico), pessoas que tomaram a vacina para se proteger, se tornariam infectadas (nada legal). Por isso, as vacinas contra o HIV baseiam-se em novas estratégias de vacinação, como as vacinas de subunidades (onde ao invés de um vírus inteiro se utilizam apenas algumas proteínas virais) e as vacinas de DNA. As vacinas de DNA se encontram numa interseção entre vacina e terapia gênica e podem ser feitas apenas com o DNA ou com o DNA vetorizado numa partícula viral (da mesma forma como explicado aqui). Nessa estratégia é utilizado um vírus que contém a sequência de DNA que codificam uma ou mais proteínas do HIV (nesse caso, mas pode ser sequência de qualquer vírus/organismo contra o qual se deseja fazer uma vacina). O vírus entra na célula e expressa as proteínas de interesse, e o organismo desenvolve uma resposta imunológica contra essas proteínas (o que, com sorte, trará imunidade frente a uma infecção pelo HIV, que possui essas proteínas).

Vacinas desse tipo já foram testadas em humanos (o famoso STEP study), mas o desenho da vacina não foi feliz, pois usava como vetor um adenovírus humano (o Adenovírus subtipo 5) para o qual grande parte da população já possuía anticorpos neutralizantes. O que aconteceu é que na maior parte dos testados, o vetor da vacina nem chegou a entrar em célula nenhuma (muito menos expressar nenhum gene do HIV), porque foi barrado pelos anticorpos neutralizantes contra o adenovírus 5. A vacina foi um fracasso.

Desde então, vários vetores passaram a ser avaliados a fim de se descobrir os mais aptos a uma vacina de DNA vetorizado para humanos. Alguns são vírus animais, como poxvírus de aves e adenovírus de chimpanzés (não se espera que existam muitas pessoas com anticorpos contra vírus de animais, certo?). Outros são vírus humanos relativamente raros, como adenovírus subtipos 26 e 35 (já que são raros, poucos tiveram contatos com eles, logo não devem haver muitas pessoas com anticorpos também). Há ainda vetores baseados em vírus que já foram erradicados, como o MVA, que é um vírus vaccinia (causador da varíola) vacinal altamente atenuado que foi usado no final da campanha de vacinação contra varíola na Alemanha. Bom, a varíola está erradicada no mundo, e a vacinação suspensa (no Brasil foi suspensa em 1980). Logo, não se espera que haja anticorpos na população (pelo menos os mais jovens) contra o vaccinia.

Devido aos fracassos sucessivos em se desenvolver uma vacina contra o HIV, a comunidade científica estava desacreditada. Mas um novo estudo que saiu dia 4 desse mês na revista Nature renovou as esperanças dos cientistas numa vacina contra o HIV. E isso será abordado num próximo post.

Por Luiza Montenegro Mendonça.


Para uma mais informações sobre porque ainda não temos uma vacina contra o HIV recomendo o ótimo post do blog "A Rainha Vermelha" - Quem está escondendo a vacina contra a AIDS. Lá tem ótimas ilustrações da campanha contra o HIV também.

Ilustração retirada daqui.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Terapia Gênica - A nova fronteira da medicina



O termo já ganhou fama, Terapia Gênica. E com razão. É uma ferramenta poderosa e promissora em diversas áreas da ciência.

Terapia Gênica se refere à terapia onde se utiliza um determinado gene para curar uma doença ou induzir uma determinada resposta (como numa vacina). Por exemplo, a fibrose cística é uma doença de fundo genético, ou seja, a origem da doença está no gene que dá origem a um transportador iônico chamado CFTR (Cystic Fibrosis Transmembrane conductance Regulator, ou Regulador de Condutância Transmembranar da Fibrose Cística). Nos pacientes, esse gene é defeituoso, e dá origem a um transportador defeituoso. Havendo um gene “correto” da CFTR, esse problema seria resolvido, e o paciente seria curado.

Identificar o gene importante para curar determinada doença/vacina é a parte mais fácil (e às vezes nem é tão fácil assim). Colocar o gene de interesse dentro da célula do paciente e conseguir a sua expressão a contento é que é complicado.

Primeiro temos que resolver a questão: Como colocar um DNA dentro de uma célula? No laboratório, numa cultura de células, isso é fácil, trivial até, mas em seres vivos complexos nem tanto. Existem algumas alternativas: usar o DNA sozinho (ou nu, como se costuma chamar), complexar ele com moléculas que tenham a capacidade de se fundir com as membranas nas células, ou colocar ele dentro de um vírus. Isso mesmo, os vírus são mestres em transferir seu material genético para células hospedeiras, o que faz deles as melhores ferramentas para isso.

Os vírus usados em terapia gênica são modificados, se tornando não infecciosos (não se replicam dentro da célula) e não patogênicos (não causam doença), eles apenas conseguem transferir o gene de interesse para a célula. Esses vírus são chamados de vetores, um nome muito apropriado, já que vector em latim significa “aquele que entrega”. Uma vez dentro da célula alvo o DNA é expresso, dando origem à(s) proteína(s) de interesse. Mas geralmente não por muito tempo. Acontece que as nossas células estão programadas para combater materiais genéticos estranhos (afinal, elas aprenderam ao longo de muitos milênios de infecção a se precaver contra vírus), e esse material dura muito pouco dentro da célula, antes de ser degradado pelo seu sistema de defesa. Além disso, o vírus não se replica dentro da célula (nem o gene dentro do vírus).
Uma alternativa para solucionar esse problema é usar como vetores vírus que além de entregar esse gene de interesse para às células-alvo integrem esse gene no DNA da própria célula, sendo assim, o DNA da terapia vai se comportar como se fosse o DNA da célula, sendo inclusive duplicado toda vez que o DNA da célula for duplicado. No entanto, isso pode gerar vários problemas. Imagine se esse DNA acaba parando dentro de um gene importante? Esse gene importante não vai mais funcionar como deveria (ele será “truncado”). Esse gene pode se integrar dentro de um gene repressor de tumores, por exemplo, e sem a repressão, isso pode levar ao desenvolvimento de câncer. Esse deve ser um problema a ser solucionado (e está sendo) antes de considerarmos o uso desses vetores em terapias gênicas.

Embora ainda precoce, a terapia gênica têm muito potencial. Ela pode ser utilizada para curar doenças de fundo genético, seja ela causada pela não-expressão de um gene, sua expressão descontrolada, ou por um gene que gere uma proteína defeituosa/anormal. Pode também ser usada para curar doenças infecciosas, como a AIDS. A terapia gênica pode ainda ser utilizada para produção de uma nova classe de vacinas, ou até mesmo para terapias que substituam vacinas. É claro que a teoria é sempre linda, mas a realidade de fato sempre têm mais nuances e facetas. Por isso, todos os estudos utilizando terapia gênica ainda são preliminares, e poucos foram realizados em humanos. Todas as consequências de se inserir um DNA estranho (e vírus) num organismos estão sendo estudadas, a fim de que se possa restringir ao máximo qualquer efeito danoso desse procedimento.

Mas com o tempo, a tendência é que as limitações sejam contornadas e mais e mais estudos entrem em fase clínica (com experimentos em humanos), acumulando conhecimento. E uma vez que essa técnica seja totalmente dominada, uma mudança de paradigma pode ser esperada. A terapia gênica promete revolucionar a medicina, como fizeram os antibióticos, a anestesia e as vacinas antes dela.


Por Luiza Montenegro Mendonça.
Ilustração retirada daqui.
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