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sábado, 25 de fevereiro de 2012

Combatendo a crise do petróleo com ideias mirabolantes...


Mas se o post é sobre crise de petróleo, porque raios tem uma foto de algas marinhas?

ResearchBlogging.org
O petróleo vai acabar um dia. É um fato. As reservas de petróleo demoram milhares de anos para se formar, e nós humanos somos capazes de consumir um poço de petróleo inteiro em poucas dezenas de anos. E nem adianta, não há pré-sal que dê conta dessa matemática. Um dia vai acabar, ponto final. Essa questão não é nem um pouco nova, pelo contrário, ela existe desde pelo menos 1956, quando o fechamento do Canal de Suez pelo Egito deu início à primeira crise do petróleo. O mundo deu-se conta de que as reservas eram, sim, finitas, e pior, estavam muito mal distribuídas pelo globo...

Aos poucos (e enfatizem o aos poucos) o mundo passou a pensar e procurar novas fontes de combustíveis que fossem renováveis, ao contrário dos poços de petróleo. O Brasil teve (e tem) um papel pioneiro, lançando o programa pró-álcool em 1975, dois anos após a segunda crise do petróleo, em 1973, que consistia em produzir bioetanol a partir de cana-de-açúcar. Os EUA tentaram imitar (uns trinta anos mais tarde), produzindo bioetanol a partir de milho (uma tremenda furada, já que o rendimento é baixíssimo comparado com o processo brasileiro). Várias outras fontes de biocombustíveis foram e vêm sendo testadas, mas todas têm um problema em comum: elas competem com os alimentos. A cana por exemplo. Já estamos mais do que acostumados em ouvir que o açúcar ficou mais caro por conta da demanda por álcool combustível, ou vice-versa. E quando a fonte não é comestível, há a questão da competição por terras. Ou seja, hectares que forem ser usados para plantio de mamona (que não é comestível, por exemplo), para gerar biocombustíveis, poderiam estar sendo usados para plantar comida, oras! E acreditem, terras cultiváveis serão disputadíssimas num futuro (infelizmente) não muito distante.

Mas um estudo que ganhou a capa da Science no mês passado pode mudar esse horizonte sombrio. Os pesquisadores, que trabalham numa empresa de biotecnologia da Califórnia, usaram uma Escherichia coli geneticamente modificada para transformar algas marinhas em bioetanol. A E. coli é sem dúvida a bactéria mais estudada do mundo, e está pertinho de você. Na verdade, dentro de você. Ela naturalmente habita o cólon de animais de sangue quente, e é frágil, quase não sobrevive fora do organismo de alguém (por isso ela é usada como indicador de poluição recente, pois se você encontrar E. coli em algum ambiente é porque houve algum tipo de contaminação tão recente que a E. coli ainda nem morreu).

A E. coli é capaz de fermentar alguns carboidratos (açúcares), ajudando na sua digestão (e também faz vitamina K de graça pra você, que é incapaz de sintetizá-la). Mas a E. coli não consegue degradar algas marinhas. As algas são compostas de três tipos de açúcar: alginato, manitol e glucana. Naturalmente, a E. coli é capaz de degradar o manitol e a glucana, mas não o alginato. O alginato é um carboidrato composto de repetições lineares de dois açúcares individuais, como uma “correntinha” enorme feita de dois “elos” diferentes. O que os pesquisadores fizeram foi inserir os genes responsáveis pela degradação do alginato na E. coli, mas não apenas isso. Eles transformaram a bactéria numa plataforma completa de degradação de alginato. Eles inseriram na E.coli mais de 20 genes de diferentes origens: Vibrio splendidus, uma bactéria marinha capaz de degradar algas, Pseudoalteromonas, outra bactéria marinha que também coloniza algas, e Zymomonas mobilis, uma bactéria capaz de produzir etanol em altos níveis. Esses genes foram capazes de degradar o alginato de uma “correntinha” de açúcar para apenas alguns “elos”, transportar essas pequenas cadeias para dentro da bactéria, separar os elos até açúcares individuais, transformá-los em intermediários, até que pudessem ser aproveitados pelas próprias vias da E. coli produzindo por fim uma molécula que poderia ser transformada em etanol (através dos genes da Zymomonas).
Representação esquemática das vias de degradação de alginato "implantadas" na E. coli 

No total, aproximadamente 40 Kilobases foram inseridos na pobre E. coli. O genoma da E. coli tem apenas 1 cromossomo circular de pouco mais de 4 Megabase, ou seja, quatro milhões de pares de bases nitrogenadas (aquelas letrinhas A, T, C, G, que codificam o DNA). Eles adicionaram 40.000 pares de bases, o que corresponde a 1% do genoma da bactéria! Acredite em mim, isso é muita coisa! Num laboratório comum, não se consegue nem mesmo colocar mais do que 20 Kilobases DENTRO da bactéria. Imagine colocar tudo isso integrado dentro do GENOMA dela! Essa E. coli deve ter batido o recorde de organismo mais geneticamente modificado.

Depois dessa manipulação toda, eles finalmente testaram a capacidade da bactéria de degradar a alga e produzir etanol. Eles adicionaram alga pulverizada (uma farofa de alga praticamente) na cultura de E. coli e monitoraram o consumo de açúcares e a produção de etanol. Os resultados foram bem positivos. Conseguiu-se 0,281 gramas de etanol para cada grama de alga seca utilizada, o que corresponde a 80% do rendimento teórico, ou seja, a bactéria transformou 80% dos açúcares da alga em etanol (até porque, a alga não é feita só de açúcar). E sabe qual a melhor parte? Já existem "fazendas" de algas, mas você não precisa de terras pra cultivar algas! E com quase 70% do globo coberto por mares, estamos longe de ter uma disputa por "mares cultiváveis".

"Fazenda" de algas marinhas na China

Os próximos passos agora devem ser escalonar o processo, pra crescer a bactéria em grandes volumes, podendo assim, usar muita alga e conseguir muito etanol, já que todos os testes foram feitos em escala de laboratório. E num futuro talvez não tão distante você poderá abastecer seu carro com bioetanol feito de algas. Pode falar, você já pode ter pensado em muitas alternativas pra solucionar a crise da falta de petróleo, mas aposto que NUNCA imaginou que a solução pudesse envolver algas e bactérias!

Por isso esse estudo é um bom exemplo de muitas coisas: um bom exemplo de contribuição da ciência à uma necessidade global, um bom exemplo de que organismos geneticamente modificados não se limitam às sementes da Monsanto, um bom exemplo de que organismos geneticamente modificados não são necessariamente ruins, e um bom exemplo de que coisas loucas e não convencionais podem dar certo.

Mensagem pra levar pra casa: Não limite seu pensamento!

Por Luiza Montenegro Mendonça.

Figuras retiradas daqui.
É muito estranho escrever ideia sem acento...

Wargacki, A., Leonard, E., Win, M., Regitsky, D., Santos, C., Kim, P., Cooper, S., Raisner, R., Herman, A., Sivitz, A., Lakshmanaswamy, A., Kashiyama, Y., Baker, D., & Yoshikuni, Y. (2012). An Engineered Microbial Platform for Direct Biofuel Production from Brown Macroalgae Science, 335 (6066), 308-313 DOI: 10.1126/science.1214547

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Feynman e a vida

Richard Feynman morreu em 1988 de cancêr, mas não antes de deixar sua marca na história da Ciência. Ele foi considerado um dos maiores físicos da humanidade, na companhia de Einstein e outros... Seus estudos permitiram grandes avanços na compreensão de como as partículas subatômicas interagem entre si, e foi um marco na mecânica quântica. Seu trabalho lhe rendeu um Nobel, mas, acreditem se quiser, ele nunca deu muita importância pra isso. Feynman sempre foi conhecido pela sua sinceridade quase áspera, e uma racionalidade extrema. Nem por isso ele era uma pessoa dura, pelo contrário, Feynman também era conhecido pelo seu bom-humor, o que transparece nos títulos de alguns de seus livros como: Deve ser brincadeira, Sr. Feynman! Aparece também em algumas de suas frases célebres como: Eu não vou simplificar, vou lhe mostrar as coisas como são, e espero que você aceite a natureza como ela é, absurda. Não gostou? Vá catar outro universo!

Em sua vida ele teve a oportunidade de fazer história, trabalhou no projeto Manhattan, ajudou a investigar o desastre do Challenger e "profetizou" a nanotecnologia. Ele passou uma temporada aqui no Brasil, dando palestras para o CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), aquele mesmo que fica atrás do Rio Sul...

Mas o mais encantador quanto a Feynman é realmente o jeito que ele encarava o mundo e natureza. E alguns desses pontos de vista estão reunidos numa pequena série produzida por Reid Gower (que também produziu uma série sobre o grande Carl Sagan). Eu vi e não pude deixar de colocá-la aqui, ela dispensa descrições, apenas assistam. O áudio foi extraído de diversas palestras e entrevistas de Feynman e as imagens são simplesmente belíssimas. As legendas foram feitas pelo pessoal do blog Bule Voador.



Por Luiza Montenegro Mendonça.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Ciência: Se você não cometer erros, está fazendo errado...


Ciência
Se você não cometer erros, você está fazendo errado.
Se você não corrigir esses erros, você está fazendo muito errado.
Se você não consegue aceitar que está errado, você não está fazendo de maneira alguma.

Até o ano passado, existiam dois tipos de revistas científicas (generalizando bastante). Agora existem três! A grande maioria das revistas são aquelas que publicam estudos com descobertas significativas. Ou seja, o trabalho deve ser inédito e trazer alguma contribuição à área. E muitas vezes, não basta trazer UMA contribuição, deve ser uma grande contribuição. E a diferença entre contribuição, grande contribuição e pequena contribuição é muito subjetiva.

Já tinha explicado aqui como a ciência funciona (simplificadamente). Temos uma pergunta, formulamos uma hipótese, pensamos nos experimentos que precisamos fazer para testar e essa hipótese, fazemos os experimentos, e vemos se os resultados sustentam a hipótese ou não. E, não raro, apesar de belíssima (e de dar muito trabalho) a teoria é refutada. Resumindo, não descobrimos qual é a explicação de um determinado fenômeno, mas descobrimos qual NÃO é. Isso é importante, pois resultados negativos são resultados, e a sua publicação evita duplicação de esforços, ou seja, cientistas da mesma área não irão tentar os mesmos experimentos, e além disso, a publicação abre espaço para discussão sobre os motivos pelos quais os experimentos não tiveram os resultados esperados. Em ambos os casos, o resultado é o mesmo: economia de tempo e de recursos.

O grande problema é que as revistas tradicionais não costumar ver com bons olhos trabalhos onde uma explicação convincente não é alcançada (pra eles, isso não é uma contribuição significativa), a não ser que venham de grupos de pesquisa muito conceituados na área. Então refutações de hipóteses ficavam sem um lugar para serem publicadas, mesmo que fossem bem estruturadas (e tenham sido resultado de muito investimento financeiro e de tempo de trabalho). Literalmente, um desperdício.

Por isso, de uns tempos pra cá, um segundo tipo de revista científica passou a existir, as revistas dos resultados negativos! Isso mesmo, o negativo tá até no nome: Journal of Negative Results in Biomedicine, Journal of Negative Results — Ecology andEvolutionary Biology, Journal of Pharmaceutical Negative Results , Journal of Interesting Negative Results, entre outros… Não se engane, o objetivo não é publicar resultados errados, mas sim resultados negativos e essa diferença é muito maior do que você imagina. Tecnicamente, tudo deve ser perfeito. Essas revistas publicam pesquisas de refutação de hipóteses, não pesquisas feitas com experimentos errados ou que não funcionaram! Nem adianta tentar publicar aquele Western Blot* que nunca apareceu banda nenhuma!

E agora, um terceiro e inusitado tipo de revista científica pode acelerar ainda mais o progresso da ciência no mundo. Chama-se Journalof Errology, e seu objetivo principal é a publicação de pesquisas que NÃO deram certo, mas que não deram certo mesmo! Como aquele problema que você nunca conseguiu solucionar, não importa o quão bom estivesse na teoria, como o seu Western Blot que nunca funcionou. Ela também aceitará resultados negativos, mas o foco dela será aqueles obstáculos que sempre aparecem em qualquer trabalho, como um protocolo que nunca funcionou como deveria, e como o pesquisador conseguiu contorná-lo ou substituí-lo. E erros, sim, erros!

A revista tem como editor o biólogo Eduardo Fox, da UFRJ, e aceitará trabalhos de todo mundo. A revista conta ainda com outra inovação, essa no campo da revisão dos artigos. Tradicionalmente, os trabalhos são recebidos nas revistas e revisados por alguns cientistas da área que irão analisar se os experimentos estavam adequados, se todos os controles foram realizados, se as conclusões estavam bem fundadas e etc... E esses revisores darão um parecer favorável ou desfavorável à publicação do estudo. O problema é que cada cientista tem seus “assuntos preferidos”, digamos assim, e não é simples dissociar isso do trabalho de revisão. Isso numa revista que tem como objetivo a publicação de resultados errados poderia ser desastroso. Por isso, a Journal of Errology contará com um sistema inovador. A revisão poderá ser feita através de discussões online, feita por diversos cientistas (ao invés de 2 ou 3 como é o sistema tradicional de revisão). Seria um sistema aberto de revisão.

Ao publicar seus resultados errados (com a explicação do que foi feito para contornar os problemas ou não) você pode contribuir com outras pessoas que estavam tendo o mesmo problema que você. Quase como aquele cara que faz uma pergunta na aula que ninguém tinha coragem de fazer, mas que todo mundo tinha, e acaba resolvendo o problema dele e dos outros. E se você não tiver conseguido achar uma solução ainda, poderá contar com a ajuda da revisão aberta para tentar solucioná-lo.

É ou não é uma contribuição à ciência? Como descrito na própria página do Journal:
Nós da Journal of Errology acreditamos que além de compartilhar os resultados bem sucedidos, é importante que os pesquisadores compartilhem experiências de suas tentativas e desapontamentos. Cada descoberta ou invenção tem sua cota de falhas, erros e problemas. Qualquer pesquisador que negue ter algo para compartilhar nesse Journal de seu passado ou presente nunca ousou se aventurar além daquilo que já é conhecido e inovar.
Agora é oficial, não importa o que sair da sua tese, algum lugar pra publicar você vai ter!

Por Luiza Montenegro Mendonça.


Figura retirada daqui.


*Pra quem não conhece, Western Blot é uma técnica de identificação de proteínas particularmente complicada de se fazer e onde as proteínas são identificadas através de bandas em filmes radiográficos, logo, se nada aparece, não funcionou...


A dica para esse post veio da minha amiga Raquel Amorim.
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